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O conceito de indicios suficientes no processo penal portugues- Jorge Silveira parte 2

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Mensagem  Admin Qua Nov 26, 2008 1:50 pm

2.3. Suficiência como maior possibilidade de condenação do que de absolvição
A segunda interpretação acima mencionada defende que os indícios são suficientes quando a possibilidade de futura condenação do arguido em julgamento for mais provável do que a possibilidade da sua absolvição. É a chamada teoria da probabilidade predominante.
Assim, no momento de apreciar a suficiência dos indícios, há que, num juízo de prognose, procurar determinar o que é mais provável: a futura absolvição ou a futura condenação do arguido? Se for a absolvição, não há indícios suficientes; se for a condenação, esses indícios existem.
De acordo com esta posição, para acusar ou pronunciar não basta uma reduzida possibilidade de condenação do arguido. Se as probabilidades de absolvição forem superiores ou mesmo iguais às de condenação, o processo não deve prosseguir. Mas para acusar ou pronunciar não é necessário que as probabilidades de condenação sejam manifestamente superiores.
Esta é a solução que mais se aproxima do conceito matemático de probabilidade, segundo o qual, entre duas afirmações contrárias, a mais provável é a que tiver maior grau de possibilidade de ser verdadeira.
Usando linguagem matemática, dir-se-á: para os indícios serem suficientes é necessário que as possibilidades de condenação em julgamento sejam superiores a 50%.
Nesta linha de raciocínio, afirma Germano Marques da Silva que uma possibilidade razoável é uma probabilidade mais positiva que negativa[17].
Esta resposta é defendida por uma boa parte da doutrina e da jurisprudência, nomeadamente ao nível dos tribunais da Relação.
2.4. Suficiência como forte possibilidade de condenação
Finalmente, a terceira interpretação que tem vindo a ser defendida advoga que os indícios só são suficientes quando deles resulte uma forte, alta ou séria possibilidade de futura condenação em julgamento.
Convém desde já salientar que certos autores advogam esta resposta sem verdadeiramente a autonomizar da anterior. A suficiência dos indícios pressuporia uma forte possibilidade ou uma probabilidade predominante[18].
Para outros autores, porém, a suficiência dos indícios exige uma possibilidade particularmente qualificada, que não se basta com a simples probabilidade predominante.
Nesta tese, a suficiência dos indícios acaba por pressupor a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade: indícios suficientes são, citando um dos acórdãos que se insere nesta linha de raciocínio, «os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que (o arguido) virá a ser condenado[19]». Eles constituem «um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado»[20].
Esta opinião, que prevaleceu na jurisprudência portuguesa durante a vigência do CPP de 1929, ainda hoje conta com forte adesão[21].
2.5. Análise crítica
I. Antes de mais, importa analisar o teor literal da definição legal, a qual usa, como já se referiu, a expressão possibilidade razoável.
Numa primeira aproximação, dir-se-á que o legislador consagra a tese intermédia da probabilidade predominante. Efectivamente, a qualificação de razoável parece implicar uma ideia de moderação, de mediania. A expressão possibilidade razoável aparenta significar mais do que uma possibilidade mínima, mas porventura não exigirá uma possibilidade especialmente forte ou qualificada.
Nesta linha de pensamento, há quem defenda que o legislador português, ao incluir no CPP esta definição, teve a intenção de consagrar a posição intermédia da suficiência dos indícios como sinónimo de probabilidade predominante, prevendo um grau de exigência menor do que aquele que era advogado pela doutrina e jurisprudência dominantes na vigência do CPP de 1929[22].
Apesar de reconhecer que a letra da lei se adapta melhor à teoria da probabilidade predominante, julgo que o argumento literal não é decisivo. Parece ser possível admitir que o termo razoável tenha sido usado para salientar um outro significado deste qualificativo, que se prende com a ideia de algo que é conforme à razão, adequado, apropriado, justo[23]. A definição não visará tanto quantificar o grau da possibilidade, mas fundamentalmente salientar a necessidade da sua adequação às especiais exigências que os interesses em jogo reclamam.
Lendo a expressão com este sentido, ela será à partida compatível com qualquer das posições anteriores, tudo dependendo da ponderação que se venha a fazer dos interesses em causa.
Seguindo este raciocínio, há quem defenda que a definição do CPP não veio inovar no ordenamento jurídico português, sendo nomeadamente compatível com a terceira tese já exposta[24].
II. Não sendo decisivo o argumento literal, há que aprofundar outros argumentos.
Antes de mais, é de repudiar o raciocínio que equipara o controlo exercido pelo juiz de instrução ao proferir a decisão instrutória ao controlo efectuado pelo juiz de julgamento no momento do saneamento do processo.
Ao proferir a decisão instrutória, o juiz está a decidir o resultado de uma fase processual que ele próprio dirigiu, tendo em vista a comprovação da anterior decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito.
Tem-se por seguro que a apreciação liminar do processo pelo juiz de julgamento não pode de forma alguma ser equiparada a esta função[25].
Com a reforma de 1998, o novo n.º 3 acrescentado ao artigo 311.º veio clarificar que a apreciação levada a cabo pelo juiz de julgamento tem uma natureza meramente formal, não envolvendo um juízo relativamente ao mérito dos indícios recolhidos no processo.
Mas já antes dessa reforma, e mesmo que admitíssemos a constitucionalidade da interpretação consagrada no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/93, de 17 de Fevereiro[26], que conferia ao juiz de julgamento o dever de rejeitar acusações em que fosse manifesta a insuficiência da prova indiciária, tal equiparação não tinha fundamento, pois não atendia à finalidade da estrutura essencial da tramitação do processo penal comum.
A equiparação que, pelo contrário, deve ser feita, por ter claro apoio na lei[27] e resultar da lógica estrutural do processo, é a equiparação entre a suficiência dos indícios para acusar e a suficiência dos indícios para pronunciar. Não só porque a lei utiliza os mesmos conceitos para definir os pressupostos de ambos os actos, mas também porque a decisão instrutória mais não é do que a comprovação da decisão tomada no final do inquérito.
Deve, por isso, ser afastado o principal argumento que sustenta a primeira tese há pouco exposta, segundo a qual os indícios só não seriam suficientes se a acusação fosse manifestamente infundada.
III. Para uma esclarecida tomada de posição nesta matéria importa compreender o alcance efectivo da distinção entre juízo de probabilidade e juízo de certeza que, como já se mencionou, está subjacente à divisão entre a fase preparatória e a fase do julgamento na marcha do processo penal comum.
O juízo de certeza, enquanto afirmação da verdade no processo, é seguramente um juízo subjectivo. Ele assenta em indícios e traduz-se numa convicção, num estado de espírito, num íntimo convencimento[28].
O mesmo se passa com o juízo de probabilidade. Ele implica a mesma margem inescapável de subjectivismo[29]. É também uma opinião que se forma com base em indícios, apreciando a prova disponível nos autos.
Como ensina Castro Mendes, «toda a convicção humana é uma convicção de probabilidade»[30][31].
Estas considerações mostram, desde logo, que a primeira posição exposta tornaria muito raros os despachos de arquivamento do inquérito ou de não pronúncia, esvaziando de utilidade toda a fase preparatória do processo, o que é mais um argumento em seu desfavor. Na esmagadora maioria dos casos o processo teria de seguir para julgamento, já que, sendo a avaliação dos indícios um juízo necessariamente subjectivo, raramente seria de rejeitar uma possibilidade, ainda que mínima, dos factos investigados se terem efectivamente passado. Citando uma vez mais Castro Mendes, «não há afirmação cuja contrária não tenha um grau, mínimo que seja, de possibilidade»[32]. Ou seja, só em casos extremos seria legítimo afirmar a insuficiência dos indícios.
IV. Entre os defensores da teoria da probabilidade predominante está fortemente enraizada a ideia de que o juízo indiciário a formular no final do inquérito ou da instrução é mais fraco, menos exigente, que o formulado na decisão final tomada após o julgamento. O juízo indiciário, de mera probabilidade, não exigiria a força nem a solidez da valoração da prova em julgamento. Bastar-lhe-ia uma possibilidade razoável. Para alcançar um juízo de certeza, o grau de convencimento subjectivo do julgador seria mais exigente, até porque os elementos à sua disposição para o atingir seriam mais completos.
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